sexta-feira, 30 de março de 2012

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"Era um passo importante na nova vida profissional de Madalena. Na verdade, desde que se dispusera a arregaçar as mangas para se dedicar ao fabrico de doces na Quinta de São Francisco, mal tinha tempo para descansar. Isto significava, por um lado, que o negócio começava a ter pernas para andar, por outro, que não seria possível continuar aquele trabalho sem contar com a ajuda diária de alguém na «casinha do açúcar», como Madalena chamava ao seu local de trabalho, criado no espaço que antes era um barracão cheio de pó, teias de aranha e alguns utensílios em mau estado de conservação. Naquela manhã, às 9 horas em ponto, como tinha ficado combinado, uma rapariga de olhos grandes e tristes apareceu à porta.
— Deves ser a Susana – disse-lhe Madalena, cumprimentando-a com um beijo.
– Entra! Dou-te as boas-vindas à nossa casinha do açúcar!
A rapariga, que tinha 25 anos e já estava desempregada há 10 meses, parecia pouco à vontade e mantinha o olhar triste, contudo, lá fez um esforço para sorrir e responder:
— Está muito bonito, isto aqui. A minha mãe já me tinha dito que a senhora dona Matilde estava muito contente com as obras que a nora tinha feito aqui no barracão velho...
— Então já sabias da nossa pequena fábrica de doces...
— Já, quero dizer, a vila não é grande, as notícias correm depressa, sobretudo as más, o que não é o caso.
Vendo-a tão acabrunhada ainda, Madalena pediu-lhe que se sentasse numa das cadeiras da oficina e sentou-se ao seu lado.
— Olha, Susana, vou ser sincera contigo: sei bem o que deves ter passado neste último ano, sem trabalho.
— Sabe?!
— Sei, porque ao meu marido aconteceu o mesmo, quando morávamos em Lisboa, entendes? Ficou sem trabalho. De maneira que tivemos de mudar de vida, porque só o meu ordenado não chegava para pagarmos todas as despesas.
A Susana suspirou, antes de desabafar:
— Sabe, dona Madalena...
— Trata-me por Madalena, que eu prefiro. Vais ser minha ajudante, mas isso não quer dizer que não possamos tratar-nos como amigas, e as amigas tratam-se pelo nome, não é verdade?
A Susana ficou enternecida. Não estava à espera de tanta cordialidade.
— Obrigada, dona Ma..., ou melhor, Madalena.
— A minha sogra contou-me que o teu pai faleceu há dois anos e que és tu que tens de ajudar a tua mãe a criar os teus irmãos, que são bem mais novos do que tu.
— É verdade.
— E também me disse que tinhas um bom emprego, porque estavas como gerente da sapataria de um tal senhor Lemos...
— Pois foi. Comecei lá a trabalhar desde que saí da escola, quando fiz o nono ano. Primeiro, comecei como empregada. Mais tarde, ele viu que eu me ajeitava com o serviço e, ao fim de nove anos, acabou por me nomear gerente. O pior foi que tudo acabou...
— O teu patrão teve de fechar a loja, não foi?
— Eu não sei se ele teve mesmo de fechar. O certo é que fechou e foi para a terra dele, que é Viseu. Pagou-me a indemnização e pronto...
— São coisas que acontecem, Susana. Nos tempos que correm, é normal as pessoas mudarem frequentemente de emprego. Não podemos pensar nisso como uma coisa trágica. Tu és muito nova, disseram-me que tens sentido de responsabilidade, e eu preciso justamente de alguém assim. Gostaria de poder oferecer-te um ordenado melhor, pois sei que ganhavas mais, mas, para já, não é possível.
— Eu compreendo. Para mim, já é bom o que me ofereceu, porque, na verdade, se não fosse esta oportunidade, teria de sair da vila e ir procurar trabalho em Mangualde ou na Guarda, mas isso significava ter de passar muito tempo fora de casa..."

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